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ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO x CONDOMÍNIOS

  • Foto do escritor: Clarissa Felipe Cid
    Clarissa Felipe Cid
  • 23 de fev. de 2022
  • 10 min de leitura

Os dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que o Brasil é segundo país na quantidade de animais de estimação (isso em 2020). Em pesquisa de 2018, do IBGE, aponta a presença de 139, 3 milhões de animais considerados de estimação.

Com base nisso, seria o razoável e o normal os legisladores brasileiros regulamentarem os direitos e deveres dos tutores, assegurando um mínimo de direitos para uma relação qualitativa. Entretanto, não há até o presente momento um marco regulatório dos animais de estimação.

Por não haver um marco regulatório dos animais de estimação, além de os bichinhos estarem desassistidos por ausência de legislação protetiva, a qual pudesse assegurar um mínimo de direitos, os tutores suportam, muitas vezes, abuso de direito de terceiros.

Atualmente, o que é assegurado aos pets são direitos construídos pela jurisprudência, a qual é produzida pelo Poder Judiciário. Isso significa que para que os tutores possam ter um mínimo de tranquilidade e seus animais possam ser respeitados, é necessário, na maioria das vezes, acionar a Justiça.

Como já publicado, é muito complicado viajar de avião com o animal de estimação, primeiro, em razão das espécies, muitas empresas aéreas limitam apenas cães e gatos até porque a Agência que regula este mercado normatiza apenas essas espécies. Superado a restrição das espécies de animais pela própria Agência Reguladora, as empresas aéreas possuem liberdade para arbitrar o limite de peso do animal na cabine, e, caso, por causa da limitação do peso na cabine, também tem liberdade para escolher o tipo raça transportará no compartimento de carga.

Superado, o aspecto de viajar de avião com os animais de estimação (pois existe texto e publicação sobre isso em nosso site), muitos tutores ainda têm que suportar o abuso de direito realizado por condomínios no Brasil afora.


E aí, chegamos à temática que será abordada neste artigo: Os condomínios podem proibir animal de estimação? Eles podem proibir a circulação dos animais de estimação? Pode impor medidas contra os tutores dos pets?


Como já dito, não há legislação específica sobre isso, logo jurisprudência formada em decorrência das decisões judiciais, atualmente, favorece e resguarda os direitos dos tutores.


Os condomínios podem proibir animal de estimação?


Em regra, os condomínios não podem proibir os animais de estimação. E quem direciona para isso é a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Conforme é noticiado pelo site do STJ, em maio de 2019, a 3º Turma daquele Tribunal decidiu que a Convenção de Condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas quando o animal não apresentar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do local.

Ainda sobre a notícia, é importante compreender o caso. A discussão pelo STJ ocorreu no REsp 1.783.076 . A ação teve origem em ação ajuizada por uma moradora de um condomínio do Distrito Federal (DF), ela queria ter o direito de criar a gata de estimação no apartamento. Ela alegou que a gata era considerada um membro da família e não causava transtorno nas dependências do edifício.

O relator da decisão, o Ministro Villas Bôas Cueva, no seu voto aponta:


a previsão do artigo 19 da Lei 4.591/1964 – de que o condômino tem o direito de "usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos".


Isso é uma vitória para os tutores de animais de estimação que residem em condomínios, pois havia e há ainda, infelizmente, abuso de direito por parte de condomínios, vizinhos e síndicos. Só que caso haja essa situação, o tutor ou a tutora deverá recorrer ao Poder Judiciário para ter seu direito assegurado.

E como é sabido estamos lidando com o direito a propriedade e autonomia privada das pessoas, isto porque condomínios possuem suas próprias regras. De acordo com o Código Civil de 2002 (CC/02), os arts. 1332, 1333 e 1344, a convenção condominial é a norma interna que disciplina as relações entre os condôminos, a forma de administração, a competência das assembleias, a forma de convocação e o quórum exigido para as deliberações, o uso de áreas exclusivas e comuns, o rateio de despesas ordinárias e extraordinárias, as sanções disciplinares, etc.

O CC/02 possibilita que as convenções tenham outras regras- que os interessados houverem por bem estipular- (art.1334, caput). Logo, as matérias tratadas na convenção são meramente exemplificativas, sendo o texto legal apenas a regulamentação mínima sobre o condomínio.

Quando se escolhe em viver em condomínio, sabe-se que submeterá a diversas restrições ao direito de uso das unidades autônomas para que haja uma convivência harmônica entre os moradores. No entanto, estas não podem ser desproporcionais, já que caso forem, o Poder Judiciário analisará sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade (art.5, XXII, da CRFB/88).

A legislação infralegal e o CC/02 estabelecem direitos e deveres aos condôminos, isto é, por exemplo, o art. 19, da Lei n. 4.591/1964 assegura aos condôminos o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo as suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

Soma-se isso o art. 1336, IV do CC/2002, o qual prescreve o dever de o condômino dar sua parte exclusiva a mesma destinação que tem a edificação, utilizando- a de maneira a preservar o sossego, a salubridade, segurança e os bons costumes.

O acórdão do REsp 1.783.076 , em si, é muito bom. E vejamos o porquê. A partir da regulamentação mínima dos condomínios, os ministros, no voto, fazem uma análise com surgimento de três situações:


a) A Convenção não regula a matéria;

b) A Convenção veda a permanência de animais causadores de incômodos aos demais condôminos;

c) A convenção proíbe a criação e guarda de animais de quaisquer espécies.



A) A Convenção não regula a matéria:


O condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres genéricos previstos no CC/02 e na Lei n. 4.591/1964. No entanto, a inexistência de regra condominial não é uma autorização irrestrita para a manutenção de bichos de estimação, deve-se atentar aos casos concretos, levando em consideração os aspectos do animal e o seu comportamento.


B) A Convenção veda a permanência de animais causadores de incômodos aos demais condôminos;


Mais ou menos a situação do primeiro caso, item A) A Convenção não regula a matéria, isto é, a vedação deve prevalecer caso o animal comprometa a higiene e a tranquilidade do edifício, sendo analisado tão somente no caso contrário. Caso não haja reclamação sobre aquele animal em razão daqueles aspectos específicos apontados na na norma interna, o animal está de acordo com as normas internas do condomínio e deve permanecer no condomínio.


C) A Convenção proíbe a criação e guarda de animais de quaisquer espécies


Caso a proibição seja genérica, a restrição, sem fundamento específico, deve ser afastada para assegurar o direito do condômino, absorvendo o que a legislação estabelece. O impedimento de criar os animais em parte exclusiva só se justifica para preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego.

O que vai de acordo com a doutrina de direito civil, por exemplo,


Roberto Gonçalves ensina que "se a proibição for genérica, atingindo animais de quaisquer espécies, poderá mostrar-se exagerada na hipótese de um condômino possuir um animal de pequeno porte e inofensivo" (Sinopses jurídicas - direitos das coisas - vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 135).


(...) A tendência é aceitar a presente em condomínios, se não resultar em incômodo aos demais moradores, situação que se verifica se houver excesso de latidos em qualquer hora do dia ou da noite, de correria, de mau cheiro. Isto mesmo que conste na convenção a restrição à presença de animais. (...) Se ofendidos os direitos básicos de sossego, da segurança e da salubridade, resta a proibição, com aplicação de multa, nas previsões do artigo 1.337 e seu parágrafo único do Código Civil." (RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária - 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, págs. 82-83 - grifou-se)


"(...) tudo depende de situações peculiares no caso concreto e do grau de nocividade e agressividade do animal, pois quem mora num edifício tem que se submeter às restrições impostas pelas normas razoáveis de vizinhança. Contudo, não se justifica a proibição pura e simples de todo e qualquer animal, porque é inata no homem a tendência de conviver com animais domésticos" (FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, págs. 52-53 - grifou-se)



Em regra, os condomínios não podem proibir os animais de estimação. Eles só serão proibidos se incomodarem os outros condôminos ao ponto de violar a preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego.

E partir disso, as demais perguntas já podem ser respondidas: Eles podem proibir a circulação dos animais de estimação? Pode impor medidas contra os tutores dos pets?

E a resposta é não, a não ser que haja violação da preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego.

Interessante alguns pontos que surgem em razão disso também, é que alguns edifícios proíbem a circulação dos animais em espaços compartilhados. Aí o bom senso e a razoabilidade devem persistir, isto é, os animais podem sim circular nas áreas comuns, principalmente as que possibilitam o acesso a rua. E os tutores e as tutoras não devem ser coagidos a levar eles no colo, muito menos adquirir carrinhos para passear com eles.

No entanto, o condomínio pode exigir que os animais de estimação circulem em coleiras, dependendo da raça do cachorro com uso de focinheira. Isto na verdade, é exigido em muitos Códigos de Postura do município, como uso de coleira, o uso e tamanho da guia, uso de focinheira, etc.

Para finalizar, alguns julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRÂNSITO DE ANIMAIS. CONDUÇÃO MEDIANTE COLEIRA, ELEVADOR DE SERVIÇO E ACESSO DE BANHISTAS. O CONDÔMINO TEM O DEVER DE SEGUIR TODAS AS REGRAS DE CONVIVÊNCIA, COM O ESCOPO DE PROPORCIONAR AOS DEMAIS CONDÔMINOS, SOSSEGO, SALUBRIDADE E URBANIDADE. O USO DA COLEIRA EM NADA OBSTA O SEU DIREITO DE IR E VIR. CONFERE MUITO MAIS SEGURANÇA A TODOS AQUELES QUE ALI TRANSITAM, E ATÉ MESMO A PRÓPRIA RECORRENTE, DE MODO A MELHOR POSSIBILITAR O MANEJO NA CONDUÇÃO DE SEUS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. POR MAIS QUE A APELANTE CONSIDERE SEUS ANIMAIS DÓCEIS E APONTE SITUAÇÕES ALEATÓRIAS, OBJETIVANDO RECHAÇAR O USO DO ELEVADOR DE SERVIÇO, CONVÉM PONDERAR QUE A ANIMOSIDADE EXISTENTE ENTRE AS PARTES REFERE-SE AO FATO DE QUE OS CACHORROS, AO UTILIZAR O ELEVADOR, URINAVAM NO TAPETE DO ELEVADOR. ORA, PERMITIR A RECORRÊNCIA DESTE FATO, - E ISSO PODE ACONTECER, INDEPENDENTE DA VONTADE DA PRÓPRIA DEMANDANTE, JÁ QUE SE TRATA DE ANIMAIS E DE NECESSIDADES FISIOLÓGICAS -, ESTAR-SE-IA PRETERINDO E PREJUDICANDO O DIREITO DOS DEMAIS CONDÔMINOS QUE ALI HABITAM, PODENDO, INCLUSIVE, GERAR PROBLEMAS DE ORDEM SANITÁRIA. NA ESPÉCIE, NÃO HÁ FALAR EM FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, VISTO QUE A CONDUTA DA RÉ NÃO TEVE O CONDÃO DE CARACTERIZAR A SUA OCORRÊNCIA, PORQUANTO CONSISTIU EM MERO DISSABOR DO COTIDIANO. NÃO RESTOU EVIDENCIADO TRANSTORNO SIGNIFICATIVO QUE AUTORIZASSE O PLEITO INDENIZATÓRIO, UMA VEZ QUE INCÔMODOS E DISSABORES COTIDIANOS, NÃO TÊM O ALCANCE PRETENDIDO PELA APELANTE, NÃO SENDO CAPAZES DE GERAR DANO MORAL INDENIZÁVEL. SUCUMBENTES DE FORMA RECÍPROCA, CORRETA A DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA, NA PROPORÇÃO E VALORES ESTABELECIDOS NA SENTENÇA. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50015329720188210141, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em: 15-12-2021)


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO COMINATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER. CIRCULAÇÃO DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO COLO. DISPOSIÇÃO DO REGIMENTO INTERNO. EXIGÊNCIA DESRRAZOADA PERANTE O AUTOR. PESSOA IDOSA COM ENFERMIDADE NA COLUNA. PERMISSÃO DE REALIZAÇÃO DO TRAJETO DE SEU APARTAMENTO À RUA COM OS ANIMAIS NO CHÃO. I. Nos termos de atual jurisprudência do STJ (REsp 1.783.076-DF), são ilegítimas as vedações genéricas em convenção de condomínio, que vedam a criação de animais nas unidades autônomas, sem considerar se há, em cada caso, prejuízo efetivo aos demais condôminos. II. No caso concreto, por analogia, a imposição generalizada contida no Regimento Interno do condomínio requerido, de que o trânsito de animais, nas áreas comuns, ocorra somente no colo de seus respectivos tutores, é desarrazoada perante o condômino demandante, que se trata de pessoa idosa, com problemas de saúde na coluna. III. O conjunto probatório coligido ao feito demonstrou que ambos os cachorros do autor são tranquilos, não causando incômodos aos demais condôminos, além de um deles pesar mais de 10 kg. Por outro lado, as soluções alternativas apresentadas pelo condomínio – dentre elas, a compra de um carrinho de bebê para que os animais fossem transportados – mostram-se absolutamente desproporcionais. IV. Assim, deve ser mantida a sentença hostilizada, que autorizou que o requerente, no trajeto entre a porta de seu apartamento e a rua, conduza seus animais, com guias, pelo chão. Isso porque ausente, no caso, perturbação à segurança, ao sossego e à saúde dos demais moradores, inexistindo violação aos artigos 1.335, II, e 1.336, IV, ambos do diploma civil, que justifique tamanho ônus no exercício do direito da propriedade condominial. V. Descabida a minoração da verba honorária fixada na origem, em favor dos advogados do demandante, porquanto atendidos os vetores do §2º, do art. 85, do CPC. Negaram provimento ao apelo. Unânime. (Apelação Cível, Nº 70085122216, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em: 25-08-2021)


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CLÁUSULA CONDOMINIAL QUE VEDA A PERMANÊNCIA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO DENTRO DAS UNIDADES HABITACIONAIS AUTÔNOMAS. CÃES DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DE INDICATIVOS DE QUE OS CÃES CAUSEM INCÔMODO, PERIGO OU RISCO DE SAÚDE À COLETIVIDADE. SENTENÇA MANTIDA. Condomínio. Convenção Condominial é o estatuto que regulamenta os interesses dos condôminos, ditando as regras gerais e específicas de uso e de convívio não sendo, entretanto, absoluta devendo ser analisada em sua interpretação teleológica, ou seja, em harmonia aos à ordem pública, a boa-fé, aos princípios gerais do direito. Animais de estimação. A finalidade da norma proibitiva de animais dentro das unidades autônomas de um condomínio é, em última análise, evitar riscos à segurança e ao sossego dos condôminos, em consonância ao disposto no art. 19 da Lei 4.591, devendo ser analisado caso a caso. Caso. A situação dos autos conduz à certeza de que os animais são dóceis, domesticados, sendo de pequeno, encontram-se saudáveis, vacinados, vermifugados, com controle de ectoparasitas em dia e de forma alguma perturbam o sossego do condomínio ou causam qualquer tipo de incômodo com os vizinhos. Sentença mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70070817523, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 29-09-2016)

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Clarissa Felipe Cid advogada OAB/RS 79.578 

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