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JUSTA CAUSA DO EMPREGADO POR RECUSAR A VACINA DA COVID-19

  • Foto do escritor: Clarissa Felipe Cid
    Clarissa Felipe Cid
  • 19 de fev. de 2021
  • 8 min de leitura

Resenha Crítica sobre o Guia Técnico do MPT sobre a vacinação da COVID-19



No final de janeiro, o MPT lançou um “Guia Técnico Interno do MPT sobre a vacinação da COVID 19. O guia se encontra junto com as notas técnicas e recomendações do MPT sobre COVID 19.

O guia técnico virou notícia quando alguns jornais lançaram reportagem, afirmando que o MPT havia recomendado a resolução do contrato de trabalho por justa causa se o empregado recusasse vacinar-se.

Embora haja a recomendação no guia sobre a possibilidade de justa causa do empregado, há ponderações e argumentos jurídicos expostos que não foram considerados nas reportagens.


Então vamos a mais uma Resenha Crítica.

Objeto: Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da COVID-19

Primeira versão de 28 de janeiro de 2021.

Autores: grupo de trabalho GT- COVID 19


O Guia é dividido em duas partes. A primeira parte é sobre o plano de vacinação nacional, em que se dividem nos seguintes capítulos:

  • Guia da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento de Planos Nacionais de Vacinação para COVID 19

  • Negociação de Vacinas pelo Brasil

  • Situação Epidemiológica da COVID 19 no Brasil e Grupo de Risco

  • Protocolo de Vivência epidemiológica e sanitária de eventos adversos pós vacinação

  • Questões relacionadas à estratégia de priorização do plano nacional de vacinação

Já segunda parte é dividida em três capítulos:

  • Compulsoriedade da Vacinação

  • Obrigação das Empresas de inserirem a vacinação no Programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO)

  • Vacinação, proteção coletiva e recusa do empregado

Os pontos importantes do Guia técnico, em resumo, são:

  • Os princípios que Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam com norte para os Estados nacionais possam implementar em seus países as políticas de vacinação;

  • A Estratégia do Brasil quanto à aquisição das vacinas;

  • As tecnologias adotadas para realização das vacinas;

  • A situação epidemiológica e a estratégia de combate ao Vírus no Brasil;

  • A Análise do grupo de pessoas e atividades abarcadas pelo plano nacional de vacinação;

  • A Compulsoriedade da vacinação e a implicação na relação de trabalho;

  • O dever da Empresa em auxiliar no Plano Nacional de Vacinação;

  • O dever do Empregado em cumprir as normas de segurança e meio ambiente do trabalho;

  • A possibilidade de justa causa do empregado em decorrência da recusa de tomar a vacina;

  • O direito à informação em matéria ambiental, em que se insere o direito à informação do trabalhador quanto à sua saúde e segurança do trabalho.


A OMS, dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, traçou princípios que orientasse os Estados nacionais a aplicar um plano de vacinação. O Guia estabelece 19 (dezenove) princípios do Strategic Advisory Group of Experts. Além disso, informa, no guia, que os países devem considerar 6 (seis) princípios norteadores: Bem- Estar Humano, Equidade Global, Equidade Nacional, Respeito e Igualdade, Reciprocidade e Legitimidade.

Quanto a estratégia do Brasil para assegurar a população as vacinas contra o Covid-19, informa como, com quem e quantidade das vacinas que o Governo Federal estabeleceu.

O Guia Técnico do MPT aborda tecnicamente a existência das vacinas, a sua importância e os tipos de tecnologia delas. Explica, pedagogicamente, quais vacinas existem para combater o Covid-19 e a técnica utilizada.

Sendo assim, ocorre a aproximação com a temática do texto, pois relata no guia sobre as pessoas que serão prioridades para vacinar, assim também expõe criticidade com o Plano Nacional de Vacinal, já que não deixa claro alguns pontos.

É notório, com ampla divulgação nas mídias e mídias sociais que a vacinação do Covid-19, no primeiro momento, será restrita a um determinado público, já que não há doses suficiente, insumos, etc.

Sendo assim, o Brasil a partir da sua política de imunização recomendou e privilegiou no primeiro momento profissionais que estão expostos e na linha de frente contra o COVID-19. Assim como, idosos em casas de repouso e indígenas e quilombolas.

E, em tese, está de acordo com a orientação da OMS, já que esta recomenda, para o momento que o Brasil está, a redução da morbidade e mortalidade e a manutenção dos serviços mais essenciais.

A vacinação dos trabalhadores de serviços essenciais converge com o princípio da reciprocidade, isto é, na retribuição, na forma de implementação de políticas de saúde de maior proteção, àqueles que mais se expõem durante uma pandemia.

Assim a primeira faixa, a faixa que o Brasil se encontra (19 de fevereiro de 2021) é o Estágio 1, os quais seriam trabalhadores de saúde com risco elevado ou muito elevado de infecção ou transmissão. E adultos de maior faixa etária com idade definida pelo grupo de maior risco segundo características específicas.

Importante informar que o princípio da Reciprocidade é “proteger aqueles que apresentam riscos adicionais de adoecimento e que também sejam responsáveis pelo cuidado e atendimento de outros grupos, incluindo trabalhadores de saúde e outros serviços essenciais.

E como é a primeira etapa do Plano de vacinação do Brasil? O PNOVC/MS, anexo II, elenca os trabalhadores de saúde que receberão a vacina.


Superado os aportes teóricos do Guia do MPT, chega-se ao ponto da discussão:

o empregado em razão de não se vacinar contra COVID-19 pode configurar justa causa?


Para isso é necessário focar nos três itens já comentados sobre o guia técnico:

  • A Compulsoriedade da vacinação

  • A implicação da compulsoriedade da vacinação na relação de emprego

  • Possibilidade de justa causa do empregado em decorrência da recusa de tomar a vacina

A COMPULSORIEDADE DA VACINAÇÃO

A compulsoriedade da vacinação foi objeto de interpretação para o Supremo Tribunal Federal. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6.586 e 6.587 e também no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n.1267879, neste último discutiu com a perspectiva do direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.

Nas ADIs, o STF conferiu interpretação conforme à Constituição ao art.3, III, d da Lei nº 13.979/2020, estabelecendo a seguinte tese de julgamento:


a) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstos em lei, ou dela decorrentes e tenham como base evidencias científicas e análises estratégicas pertinentes;

b) Venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes;

c) Respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas;

d) Atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade

e) Sejam vacinas distribuídas universal e gratuitamente

f) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitados as respectivas esferas de competência.

Já o ARE, o STF julgou que a vacinação compulsória não viola a liberdade de consciência e de convicção filosófica, com a tese de repercussão: "Tema 1.103: É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária: (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunização ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais, casos não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar."

E partir disso o MPT constrói o argumento que fundamenta a possibilidade da justa causa do empregado por recusa ao se vacinar.

E o fundamento mais importante é: a obrigação das empresas de inserirem a vacinação no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). E você sabe o que é o PCMS? É uma medida em que as empresas precisam manter e preservar a saúde e a integridade física e mental dos trabalhadores. Está regulamentada na Norma Regulamentadora (NR) nº 7.

Esta NR determina que as empresas para admitirem trabalhadores como empregados devam realizar exames ao longo do contrato para avaliar possíveis impactos de atividade na saúde do funcionário.

A partir disso, o MPT estabelece a obrigação da empresa em assegurar, quando possível a vacinação dos empregados. E isto decorre simplesmente da aplicação dos direitos fundamentais previstos na Constituição:

  • · Eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais

  • · Direito à saúde e meio ambiente adequado aos trabalhadores (art.7, XXII e art. 200, II, todos da CRFB/88). Além das legislações infraconstitucionais sobre meio ambiente e sobre o Sistema Único de Saúde (SUS);

  • · Função Social da Propriedade e do contrato;

  • · A CLT, a partir dos art.157 prescreve o dever do empregador de assegurar a redução de riscos inerentes ao trabalho.

  • · Legislações infraconstitucionais asseguram um ambiente de trabalho minimamente adequado e com redução de riscos.

Interessante frisar, que para os trabalhadores da saúde, a NR nº32 estabelece que o programa de vacinação deve estar previsto no PCMSO.

E o MPT conclui: “ Logo, na pandemia da COVID-19, na qual todos os trabalhadores estão expostos ao novo risco biológico SARS-CoV-2, a conclusão inarredável é que a vacinação é compulsória para toda a população, incluindo os trabalhadores, cabendo aos empregadores, juntamente com o Poder Público, cumprirem o plano nacional de vacinação, e adotarem as medidas necessárias para contenção da pandemia, seja com as medidas individuais ou coletivas. "


E chega-se a grande questão: O MPT afirma que pode justa causa por recusar a vacina?


A resposta é sim, desde que haja no PCMSO e depois da gradação das penalidades, a justa causa. É importante ressaltar, que a empresa tem um papel social e deve orientar os empregados, desde do início pela importância da vacinação, do uso adequado das medidas sanitárias, como uso de máscara, distanciamento, higienização e vacinação.

A empresa tem o dever social de auxiliar na vacinação e informar e orientar os trabalhadores para um melhor ambiente de trabalho. Por consequência, o trabalhador, embora tenha o direito ao meio ambiente adequado, também tem o dever de cumprir as medidas necessárias sob a orientação do empregador. Já que, a CLT, no art. 158, permite a justa causa quando há descumprimento de normas de higidez, segurança e saúde no meio ambiente. A vacinação torna-se um equipamento de uso coletivo para reduzir e erradicar a doença.

De acordo com o Guia do MPT, informa: "diante da eficácia horizontal que se reconhece ao direito à saúde, portanto, há duas conclusões [...]: a) as empresas são obrigadas a colaborar com o plano nacional de vacinação; b) trabalhadores também são obrigados a colaborar com as medidas de saúde e segurança do trabalho preconizadas pelas empresas, que devem incluir a vacinação como estratégia do enfrentamento da COVID-19 no ambiente de trabalho."

E novamente, a justa causa do empregado é última medida a ser tomada pelo empregador, conforme o Guia:

"Diante de uma pandemia, como a da Covid-19, a vacinação individual é pressuposto para imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimento sobre a eficácia e segurança do imunizante. Essa solução é desdobramento do direito á informação em matéria ambiental, no qual se insere o direito à informação do trabalhador quanto à sua saúde e segurança do trabalho. "

Portanto, o Guia Técnico do MPT não é norma de cumprimento obrigatório, mas recomenda tecnicamente as medidas necessárias para tornar o minimamente adequado o meio ambiente do trabalho.

A vacina torna-se um mecanismo fundamental para controle e erradicação da pandemia, podendo ser considerada como Equipamento de proteção coletiva (EPC).

A justa causa do empregado pela recusa de se vacinar não deve, nem pode ser a primeira opção da empresa. E isto o Guia Técnico do MPT esclarece, pois como expõe o meio ambiente adequado ao trabalhador é um direito do empregado e dever da empresa.

A justa causa do empregado só pode ser opção quando a empresa não falha em medidas adequadas para assegurar o meio ambiente do trabalho adequado, quais sejam: regulamentar no PCMSO da empresa o plano de vacinação e orientar, informar e educar o trabalhador sobre o meio ambiente do trabalho.

A partir disso, respeitado as gradações de penas antes da justa causa do empregado, é possível discutir que sim haverá justa causa do empregado caso ele recuse a vacina. Mas também, impõe alguns questionamentos, tais como se as empresas não adotem ou adotem formalmente as medidas recomendadas pelo MPT, poderia haver rescisão indireta, ou seja, a justa causa do empregador?

E empresas que possuem sócios e proprietários notoriamente negam a pandemia e a vacina, como ficam?


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Clarissa Felipe Cid advogada OAB/RS 79.578 

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