MONITORAMENTO DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO É POSSÍVEL? O empregado pode ser filmado na sua área de
- Clarissa Felipe Cid
- 16 de jun. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 10 de jul. de 2020
MONITORAMENTO DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO É POSSÍVEL?
O empregado pode ser filmado na sua área de trabalho?
O monitoramento do meio ambiente do trabalho é uma discussão importante e interessante para o direito e processo do trabalho. É interessante, pois é uma discussão que não se encontra “fechada” pela doutrina, nem pela jurisprudência. E importante, visto que dentro dos parâmetros legais poderá ser meio de prova.
Como dito, a jurisprudência não é unânime, visto que envolve vários direitos, direitos fundamentais do empregado, mas também do empregador. Veja uma decisão de 2011, da sexta Turma do Tribunal Superior Tribunal (TST), informa que as empresas monitorarem por câmera os seus funcionários no local de trabalho, desde que não sejam filmados os banheiros e refeitórios e os trabalhadores sejam previamente avisados. Só que, no caso, o mérito não foi discutido, já que o TST negou o recurso do Ministério Público do Trabalho da 17º Região ( o Estado do Espírito Santo).[i]
Em razão da temática não se encontrar “fechada”, é possível questionar até em que ponto o Poder Diretivo do Empregador poderá estender-se por meios eletrônicos, câmera de monitoramento, sem que haja violação dos direitos fundamentais do trabalhador, como por exemplo a intimidade e privacidade.
Antes de adentrar na temática em comento, é importante compreender o meio ambiente do trabalho. O princípio do meio ambiente equilibrado é expresso (art. 225, caput)na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), o que se soma a ser um direito fundamental, ao fazer uma interpretação sistemática com art. 5, §2, do texto constitucional. A sua importância exige responsabilidade do Poder Público e da sociedade.
Soma-se isso, art.7 da CFRB/88 que assegura direitos mínimos para estabelecer uma relação trabalhista. Entre eles, nos incisos XXII e XXIII, direitos referentes ao meio ambiente do trabalho, sendo dever do empregador oferecer um local adequado, minimizando situações que possam ocasionar ruptura destes direitos. Além, claro, como forma de incentivar os empregadores em medidas de prevenção e precaução, a garantia de o pagamento de um adicional, como insalubridade, penosas e periculosidade, aos empregados sujeitos a estes agentes.
O meio ambiente é definido infraconstitucionalmente de acordo com a Lei nº 6. 938/81. Esta Lei foi recepcionada pela CRFB/88, visto que foi instituída em 1981. No inciso I, artigo 3 desta lei, o meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”. Soma-se isto a Lei nº 8.080/90, a qual dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
No artigo 6º, inciso V da Lei em comento, informa no campo de informação do Sistema Único Saúde colabora na proteção do meio ambiente, compreendendo o do trabalho.
Assim surge o questionamento, mas o que seria meio ambiente do trabalho?
Para José Afonso da Silva corresponde “ao complexo de bens imóveis e moveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados, e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam”. [ii]
Já para Amauri Mascaro do Nascimento, o meio ambiente do trabalho “é, exatamente, o complexo máquina- trabalho; as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade e insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornada de trabalho e hora extra, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenamento e manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de trabalho, etc.[iii]
Percebe-se que o conceito de meio ambiente do trabalho é antropocêntrico, pois o meio ambiente é voltado para o bem-estar do trabalhador, não ao contrário. Ademais, o conceito deve atender todos os trabalhadores, como sem carteira assinada, autônomos, prestadores de serviços, terceirizados, entre outros tipos.
Mas então, superado a ideia de meio ambiente de trabalho, ainda persiste, por óbvio, a discussão: é possível o monitoramento do meio ambiente de trabalho? Os trabalhadores podem ser filmados ?
Como dito não é uniforme o entendimento, pois envolve direitos fundamentais do trabalhador, mas também do empregador. Passa então ao direito do empregador em instalar câmeras de vídeo para filmar os empregados.
O empregador possui o PODER EMPREGATÍCIO. Mas o que seria? O objetivo desta artigo não é trabalhar exaustivamente o conceito em comento. Em razão disso, adotará o conceito do Maurício Godinho Delgado, Ministro do TST. De acordo com esta doutrina: “O poder empregatício divide-se em poder diretivo (também chamado poder organizativo), poder regulamentar, poder fiscalizatório (este também chamado poder de controle) e poder disciplinar. [...] as duas dimensões do poder intraempresarial que têm alcançado certa amplitude, consistência e identidade próprias, a ponto de justificarem, pacificamente, sua designação como modalidades específicas do poder empregatício, são os poderes diretivo e disciplinar.˜ [iv]
Ainda, de acordo com a doutrina de Godinho, o Poder Diretivo (poder organizativo ou, poder de comando) é “o conjunto de prerrogativas tendencialmente centradas no empregador dirigidas ã organização da estrutura e de empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidiana no que tange à prestação de serviços.”[v]
Entre os poderes que interessa o presente artigo, está o Poder Fiscalizatório (ou Poder de controle) , como Godinho afirma: “seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento continuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito interno da televisão, controle de horário e frequência, a prestação de contas ( em certas funções e profissões) e outras providenciais correlatas é que seriam manifestação do poder de controle.”[vi]
Este tipo de poder abarca a possibilidade das empresas realizarem monitoramento por vídeos e câmeras do meio ambiente de trabalho. Estas afirmam que se trata da proteção do patrimônio e segurança da empresa e dos empregados, inclusive. Defendem a possibilidade no direito fundamental da propriedade privada previsto expressamente no texto constitucional. Entretanto, a própria propriedade privada é limitada pelo texto constitucional quando aponta que esta deve atender a função social da propriedade, a qual restringi os abusos do Poder do Empregador.
E embora, o meio ambiente do trabalho adequado seja um dever do Estado e da Sociedade, no caso, do empregador, e a monitoramento seja uma maneira de assegurar segurança, meio de prevenção e precaução para um meio ambiente do trabalho, o trabalhador possui constitucionalmente direitos fundamentais assegurados, como a privacidade, a intimidade e a honra.
O assunto torna-se ainda mais interessante, pois a Reforma Trabalhista implementada em novembro de 2017 (passou a viger a partir desta data), a Lei nº 13. 467/2017, a qual foi silente sobre a possibilidade ou impossibilidade de monitorar o meio ambiente por câmeras de vídeos. Afinal se o objetivo do texto legal era modernizar a CLT e se atentar as mudanças nas relações trabalhistas, falhou sob estes aspectos. O que sobra para doutrina e jurisprudência analisar e buscar aspectos que podem limitar o Poder do Empregador sob aspectos pessoais do empregado.
Sendo assim, a título de curiosidade, existia um projeto de Lei, a PL nº 400/11, datado no dia 16 de maio de 2011, proposta ex- deputado Assis de Melo (PCdo B-RS), a qual proibia monitoramentode empregados por câmeras. Como a notícia e o projeto possuem um pouco mais de 8 (oito) anos, será abordado apenas os critérios e os motivos. [vii]
O projeto de lei visava proibir que empregados fossem filmados no meio ambiente de trabalho, possibilitando apenas duas exceções:por motivo de segurança patrimonial e inerentes à natureza do empreendimento ou para estudo da segurança e saúde do trabalhador e melhoria do processo produtivo.
E em relação a uso e divulgação das imagens, estas seriam provisórias, com a divulgação, em regra, proibida, salvo para apresentação em juízo ou investigações de órgãos públicos.
E veja, o surgimento da PL partiu de uma decisão do TST que permitiu o monitoramento com a instalação de câmeras para fins de segurança, pois não ofenderia a intimidade e a privacidade dos trabalhadores, sendo o objetivo evitar furtos e roubos.
Sendo assim, é possível afirmar que ainda que não haja normas jurídicas para assegurar segurança jurídica para ambas as partes da relação trabalhista, existem parâmetros que devem ser seguidos, pois caso contrário configurará abuso de direito do empregador, com direito ao empregado a reparação.
Então os parâmetros são genéricos, como:
1) Segurança do patrimônio e inerentes à natureza do empreendimento;
2) Estudo da Segurança e Saúde do Trabalhador e melhoria do processo produtivo;
3) Meio de prova em processo judicial e investigações de órgãos públicos;
E os parâmetros específicos:
1) Ciência expressa do trabalhador sobre o monitoramento do meio ambiente por câmeras de vigilância;
2) Restrito a certos espaços da empresa e do estabelecimento, sendo vedados, por exemplo, em refeitórios, vestiários, sala de descanso, etc.
3) O monitoramento deve restringir-se à jornada normal, e caso necessário, a extraordinária do trabalhador.
Portanto, o monitoramento do meio ambiente de trabalho é possível a partir dos aspectos apontados pela doutrina e jurisprudência do TST. Na verdade, pode ser um instrumento interessante para que os empregadores adotem medidas sem que haja violação de direitos individuais dos trabalhadores, como intimidade, honra e privacidade. E o motivo é simples: caso haja necessidade de realizar a segurança do patrimônio, poderá evitar que as revistas sejam adotadas ou que estas sejam realizadas em parâmetros objetivos, não abusando das prerrogativas como empregador.
Além disso, pode auxiliar na melhoria do ambiente de trabalho, buscando aprimoramento do processo produtivo. E claro, pode ser servir de meio de prova, inclusive para o trabalhador, utilizando-se da inversão do ônus da prova nos devidos casos.
Em compensação, o trabalhador deverá está ciente da vigilância realizada, sendo o mais adequado realizar a ciência na hora da contratação, com a indicação dos espaços monitorados. Ainda, os locais de monitoramento deverão encontrar-se em espaços de trabalho e relacionado com o tempo à disposição que o empregado possui. Neste caso, é importante noticiar que a Reforma Trabalhista modificou o que significa tempo disposição, sendo assim o Poder de Fiscalização do Empregador não deve incidir com a finalidade de preservar a intimidade, a privacidade e a honra do empregado, ou melhor, do trabalhador
[i]http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/01/empresa-pode-filmar-empregado-mas-com-aviso-previo-diz-tst.html. Acessada notícia em 01 de junho de 2019.
[ii]SILVA, JOSÉ AFONSO. DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL. 2º Ed São Paulo, Malheiros, 2005, p.5
[iii]NASCIMENTO, AMAURI MASCARO. A Defesa Processual do Meio Ambiente do Trabalho.Revista LTR 63/584
[iv]DELGADO, MAURICIO GODINHO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 17º Ed. Ltr, 2018, p. 787-8
[v]DELGADO, MAURICIO GODINHO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 17º Ed. Ltr, 2018, p. 788
[vi]DELGADO, MAURICIO GODINHO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 17º Ed. Ltr, 2018, p. 790
[vii]https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/197118-PROPOSTA-PROIBE-MONITORAMENTO-DE-EMPREGADOS-POR-CAMERAS.html. Acesso em 2 de junho de 2019.
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